Megaprocessos vão continuar mesmo com mudanças na lei João Maltez O Governo admite que megaprocessos atrasam a Justiça, mas as mudanças que propõe na organização do sistema judiciário pouco farão para resolver o problema, dizem ao Negócios especialistas em direito penal. A Proposta de Lei 103/XIV/2 é debatida amanhã no Parlamento. Limitar os chamados megaprocessos e o reforço do número de juízes do Tribunal Central de Instrução Criminal são duas das medidas subjacentes à mudança que o Governo quer fazer na Lei da Organização do Sistema Judiciário e no regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais. Contudo, as mexidas arriscam ficar aquém no contributo para tornar a Justiça mais eficaz e mais justa, argumentam os advogados desta área do direito inquiridos pelo Negócios. Carlos Duque, sócio e responsável de contencioso e arbitragem da PRA-Raposo, Sá Miranda & Associados, diz que "é mais ou menos consensual que os megaprocessos têm sido uma das causas para os graves atrasos na justiça penal e um sentimento de descrédito generalizado de que a montanha vai parir um rato". Com efeito, adianta "apensar os vários processos, já de si complexos, num só, dando origem a milhares de documentos, dezenas de anexos, com a inquirição de centenas de testemunhas, torna verdadeiramente impossível concluir uma investigação em tempo útil". Mafalda Rodrigues Branco, advogada da SRS na área do direito penal, lembra, por outro lado, que os megaprocessos vão sempre existir, porque há factos ilícitos que estão intrinsecamente ligados e que têm de ser investigados e julgados num só processo, devendo os mesmos ser objeto de uma valoração conjunta. Contudo, a mesma advogada defende que, "sempre que possível, deve ser feita a separação dos processos, evitando-se a sua multiplicação com o inerente atraso na realização da justiça". Aliás, adianta Mafalda Rodrigues Branco, "esta cessação da conexão com a separação dos processos está expressamente prevista no Código de Processo Penal, pelo que, se esta separação não se faz é porque se tem optado, conscientemente ou não, por uma estratégia de investigação conjunta". Ora, apesar de a proposta de lei que amanhã vai ser debatida "referir, na sua exposição de motivos, a preocupação com os ‘megaprocessos’, não prevê no seu articulado qualquer solução legislativa que possa ter alguma relevância nesta matéria. Na verdade, limita-se a determinar a extinção do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, que será integrado no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) [o chamado Ticão], também com sede em Lisboa", critica Henrique Salinas, sócio da área de Direito Penal da sociedade de advogados CCA. "Não diria que os megaprocessos existam por causa do reduzido número de juízes neste tribunal", sublinha, por seu turno, Pedro Barosa, sócio da Abreu Advogados e também advogado penalista. No entanto, segundo adianta, "o aumento do número de juízes no TCIC é naturalmente um passo importante, sobretudo por não fazer sentido - nem transmitir qualquer confiança - que a instrução dos processos relativamente aos crimes mais complexos esteja cometida apenas a dois ‘superjuízes’". Ou seja, na perspetiva de Pedro Barosa, "a diminuição dos megaprocessos e a colocação de um maior número de juízes junto do Tribunal Central de Instrução Criminal são passos importantes no sentido de tornar o processo penal mais eficaz e aperfeiçoar a realização da justiça". Henrique Salinas evidencia, contudo, que se pretende "resolver um problema concreto e conjuntural que resultou de se ter criado um tribunal que começou por ter um juiz único e que atualmente tem apenas dois juízes". Até por esta razão, o sócio da CCA entende que "caso esta proposta venha a ser aprovada pela Assembleia da República apenas se estará a resolver um problema conjuntural, pelo que em nada se irá contribuir para a melhoria da justiça penal".
Megaprocessos vão continuar mesmo com mudanças na lei
Megaprocessos vão continuar mesmo com mudanças na lei João Maltez O Governo admite que megaprocessos atrasam a Justiça, mas as mudanças que propõe na organização do sistema judiciário pouco farão para resolver o problema, dizem ao Negócios especialistas em direito penal. A Proposta de Lei 103/XIV/2 é debatida amanhã no Parlamento. Limitar os chamados megaprocessos e o reforço do número de juízes do Tribunal Central de Instrução Criminal são duas das medidas subjacentes à mudança que o Governo quer fazer na Lei da Organização do Sistema Judiciário e no regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais. Contudo, as mexidas arriscam ficar aquém no contributo para tornar a Justiça mais eficaz e mais justa, argumentam os advogados desta área do direito inquiridos pelo Negócios. Carlos Duque, sócio e responsável de contencioso e arbitragem da PRA-Raposo, Sá Miranda & Associados, diz que "é mais ou menos consensual que os megaprocessos têm sido uma das causas para os graves atrasos na justiça penal e um sentimento de descrédito generalizado de que a montanha vai parir um rato". Com efeito, adianta "apensar os vários processos, já de si complexos, num só, dando origem a milhares de documentos, dezenas de anexos, com a inquirição de centenas de testemunhas, torna verdadeiramente impossível concluir uma investigação em tempo útil". Mafalda Rodrigues Branco, advogada da SRS na área do direito penal, lembra, por outro lado, que os megaprocessos vão sempre existir, porque há factos ilícitos que estão intrinsecamente ligados e que têm de ser investigados e julgados num só processo, devendo os mesmos ser objeto de uma valoração conjunta. Contudo, a mesma advogada defende que, "sempre que possível, deve ser feita a separação dos processos, evitando-se a sua multiplicação com o inerente atraso na realização da justiça". Aliás, adianta Mafalda Rodrigues Branco, "esta cessação da conexão com a separação dos processos está expressamente prevista no Código de Processo Penal, pelo que, se esta separação não se faz é porque se tem optado, conscientemente ou não, por uma estratégia de investigação conjunta". Ora, apesar de a proposta de lei que amanhã vai ser debatida "referir, na sua exposição de motivos, a preocupação com os ‘megaprocessos’, não prevê no seu articulado qualquer solução legislativa que possa ter alguma relevância nesta matéria. Na verdade, limita-se a determinar a extinção do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, que será integrado no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) [o chamado Ticão], também com sede em Lisboa", critica Henrique Salinas, sócio da área de Direito Penal da sociedade de advogados CCA. "Não diria que os megaprocessos existam por causa do reduzido número de juízes neste tribunal", sublinha, por seu turno, Pedro Barosa, sócio da Abreu Advogados e também advogado penalista. No entanto, segundo adianta, "o aumento do número de juízes no TCIC é naturalmente um passo importante, sobretudo por não fazer sentido - nem transmitir qualquer confiança - que a instrução dos processos relativamente aos crimes mais complexos esteja cometida apenas a dois ‘superjuízes’". Ou seja, na perspetiva de Pedro Barosa, "a diminuição dos megaprocessos e a colocação de um maior número de juízes junto do Tribunal Central de Instrução Criminal são passos importantes no sentido de tornar o processo penal mais eficaz e aperfeiçoar a realização da justiça". Henrique Salinas evidencia, contudo, que se pretende "resolver um problema concreto e conjuntural que resultou de se ter criado um tribunal que começou por ter um juiz único e que atualmente tem apenas dois juízes". Até por esta razão, o sócio da CCA entende que "caso esta proposta venha a ser aprovada pela Assembleia da República apenas se estará a resolver um problema conjuntural, pelo que em nada se irá contribuir para a melhoria da justiça penal".