IRS. Englobamento de mais-valias só apanha pequenos investidores (e distraídos) Ana Sofia Santos Elisabete Miranda Maiores investidores vão criar sociedades, outros mudar de investimentos. Empresas com incentivo a recorrer a capitais alheios Querer estender o englobamento do IRS a mais rendimentos é uma ideia que, logo à partida, tem grande potencial de polémica. Contudo, a proposta final que o Governo escolheu consegue elevar o tom e a natureza das críticas: obrigar a englobar apenas as mais-valias mobiliárias, apenas as de curto prazo e apenas quando o investidor cai no último escalão de rendimento é não só inócuo como injusto; não só incoerente com o objetivo de reduzir o endividamento das empresas como potencialmente inconstitucional. Outro golpe ainda: “Não se pode fazer uma reforma desta forma”, dizem especialistas ao Expresso. Vamos por partes na enumeração das críticas. Uma das consequências mais imediatas desta medida é fazer com que os investidores ajustem o seu perfil. Um empresário que tenha um portefólio significativo “vai passar a pô-lo numa empresa” — e, quando muito, o Estado recupera parcialmente em IRC o que perderá em IRS. “Os clientes e os bancos começam a procurar outras soluções. Em vez de fundos de capitalização, passam a ter fundos de distribuição”, exemplifica Nuno Cunha Barnabé, da Abreu Advogados. Luís Leon, especialista em IRS, diz exatamente o mesmo: “As pessoas dos milhões têm instrumentos legais que permitem que os seus investimentos sejam tributados no momento do desinvestimento.” Nos outros, “a tendência vai ser sair do mercado de capitais e ir para investimento direto”. Quem resta, então, para englobar e pagar mais IRS? “Sobretudo o trabalhador qualificado que complementa o salário com investimento no mercado de capitais, mas não o gere diariamente”, diz Luís Leon. E é aqui que a inocuidade se soma à injustiça. O facto de apenas se “quebrar a neutralidade do IRS nos instrumentos financeiros” tem outro problema: expõe uma contradição na política do Governo, sustenta Nuno Barnabé. É que, “se tiver uma mais-valia de obrigações, como a parte que corresponde ao juro corrido é tratada como rendimento de capital, pago 28%. Se tiver ações, tenho de englobar”. Conclusão: “Ao deixar os juros de fora, estamos a dizer que é mais vantajoso para a empresa endividar-se com recurso a capitais alheios do que através de capitais próprios. Passo a ter mais empresas a emitir obrigações do que capital.” Luís Leon aduz mais um problema. Imagine-se uma pessoa com €50 mil de salário e €30.500 de mais-valias: não engloba, paga €22 mil de IRS. Agora outra com o mesmo salário mas €36 mil de mais-valias: engloba e paga mais €7 mil de IRS. Não só paga mais IRS do que o que ganhou em mais-valias (face ao primeiro exemplo) como fica com um rendimento líquido inferior. Ora, “uma pessoa que ganha mais não pode levar menos dinheiro para casa do que outra que tem menos rendimento bruto”, argumenta Luís Leon, para quem a medida é inconstitucional.
IRS. Englobamento de mais-valias só apanha pequenos investidores (e distraídos)
IRS. Englobamento de mais-valias só apanha pequenos investidores (e distraídos) Ana Sofia Santos Elisabete Miranda Maiores investidores vão criar sociedades, outros mudar de investimentos. Empresas com incentivo a recorrer a capitais alheios Querer estender o englobamento do IRS a mais rendimentos é uma ideia que, logo à partida, tem grande potencial de polémica. Contudo, a proposta final que o Governo escolheu consegue elevar o tom e a natureza das críticas: obrigar a englobar apenas as mais-valias mobiliárias, apenas as de curto prazo e apenas quando o investidor cai no último escalão de rendimento é não só inócuo como injusto; não só incoerente com o objetivo de reduzir o endividamento das empresas como potencialmente inconstitucional. Outro golpe ainda: “Não se pode fazer uma reforma desta forma”, dizem especialistas ao Expresso. Vamos por partes na enumeração das críticas. Uma das consequências mais imediatas desta medida é fazer com que os investidores ajustem o seu perfil. Um empresário que tenha um portefólio significativo “vai passar a pô-lo numa empresa” — e, quando muito, o Estado recupera parcialmente em IRC o que perderá em IRS. “Os clientes e os bancos começam a procurar outras soluções. Em vez de fundos de capitalização, passam a ter fundos de distribuição”, exemplifica Nuno Cunha Barnabé, da Abreu Advogados. Luís Leon, especialista em IRS, diz exatamente o mesmo: “As pessoas dos milhões têm instrumentos legais que permitem que os seus investimentos sejam tributados no momento do desinvestimento.” Nos outros, “a tendência vai ser sair do mercado de capitais e ir para investimento direto”. Quem resta, então, para englobar e pagar mais IRS? “Sobretudo o trabalhador qualificado que complementa o salário com investimento no mercado de capitais, mas não o gere diariamente”, diz Luís Leon. E é aqui que a inocuidade se soma à injustiça. O facto de apenas se “quebrar a neutralidade do IRS nos instrumentos financeiros” tem outro problema: expõe uma contradição na política do Governo, sustenta Nuno Barnabé. É que, “se tiver uma mais-valia de obrigações, como a parte que corresponde ao juro corrido é tratada como rendimento de capital, pago 28%. Se tiver ações, tenho de englobar”. Conclusão: “Ao deixar os juros de fora, estamos a dizer que é mais vantajoso para a empresa endividar-se com recurso a capitais alheios do que através de capitais próprios. Passo a ter mais empresas a emitir obrigações do que capital.” Luís Leon aduz mais um problema. Imagine-se uma pessoa com €50 mil de salário e €30.500 de mais-valias: não engloba, paga €22 mil de IRS. Agora outra com o mesmo salário mas €36 mil de mais-valias: engloba e paga mais €7 mil de IRS. Não só paga mais IRS do que o que ganhou em mais-valias (face ao primeiro exemplo) como fica com um rendimento líquido inferior. Ora, “uma pessoa que ganha mais não pode levar menos dinheiro para casa do que outra que tem menos rendimento bruto”, argumenta Luís Leon, para quem a medida é inconstitucional.